O mundo do futebol brasileiro teve uma quinta-feira cheia em pleno pico da maior pandemia do último século.
No último dia 18, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) uma Medida Provisória (MP) editada pelo presidente Bolsonaro sobre decisões relativas ao futebol durante a pandemia.
Apesar do momento totalmente inoportuno, a MP traz regulamentação para as relações de trabalho dos jogadores com os clubes enquanto a paralisação necessária (mas pouco respeitada) das partidas de futebol para conter o COVID19 acontece no país.
Obviamente, o ponto mais discutido da MP é algo que não se resume apenas ao período de pandemia: é a parte que regulamenta os direitos de transmissão das partidas de futebol.
O documento, mais exatamente no artigo 42, diz o seguinte
“pertence à entidade desportiva mandante o direito de arena sob o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, fixação, a emissão ou transmissão, a retransmissão ou a reprodução dos direitos de imagem, por meio ou processo, do espetáculo desportivo”.
A MP editada pelo governo é idêntica ao Projeto de Lei (PL) da nova Lei Geral do Esporte, que está nesse momento no Senado Federal. Tanto é que a direção da Casa decidiu apressar a discussão do PL, inclusive envolvendo os clubes.
No entanto, o teor da MP já tem poder de lei, e entra em vigor no momento em que é publicado no DOU.
Apesar de contratos antigos ainda seguirem valendo, novos já podem ser celebrados pela nova regra.
No entanto, há um senão: se em 60 dias (podendo ser prorrogado por mais 60), o Congresso não aprovar um PL que transforma a MP em lei definitivamente, ela expira e deixa de valer.
Explicando
Atualmente, desde a edição da Lei Pelé, o direito de transmitir uma partida de futebol era compartilhada entre as equipes envolvidas.
Isso fica mais fácil de explicar se tomarmos como exemplo o contrato vigente do Brasileirão.
O Grupo Turner adquiriu os direitos de transmissão de alguns clubes da Série A desde o ano passado (Internacional, Santos, Fortaleza, etc).
No entanto, por conta da lei vigente, só poderia transmitir partidas em que os DOIS times tivessem contrato com o Grupo Turner. Isso limitou demais a quantidade de jogos que poderiam passar na TNT (praticamente um único por rodada).
Isso trouxe um problema inclusive para a Globo já que, á princípio, o Palmeiras e o Athletico-PR não assinaram o contrato de transmissão na Vênus Platinada.
Ou seja, não teríamos jogos com os dois sob a chancela do Grupo Globo que, até antes de 2019, tinha contrato com todos os times que disputavam o campeonato, não tendo esse problema.
Com a nova regra editada na MP, o direito de uma partida, “em qualquer meio audiovisual”, será do MANDANTE da partida.
Resumindo, o time mandante tem direito sobre como e onde transmitir a sua partida.
Isso praticamente muda como “o jogo acontece” nos bastidores dos contratos de transmissão.
A primeira experiência
Vimos um exemplo claro da mudança no mesmo dia da publicação da MP: O #ClassicoCOVID19: Bangu x Flamengo, no retorno inexplicável e insensível do Campeonato Carioca.
O Flamengo não assinou contrato com a Globo para transmitir seus jogos no Campeonato Carioca. Ou seja, a Globo não poderia passar nenhuma partida do campeonato em que o Mengo estivesse envolvido.
No entanto, com a edição da MP, tudo mudou. O Bangu era o mandante da partida, e ele tem contrato com a Globo!
O advogado constitucionalista Daniel Falcão, explicou para o site Lei em Campo o rumo que a história tomou após a publicação da MP:
“Até a MP, a lei Pelé exigia que, para haver a transmissão do jogo em uma emissora, os dois clubes tivessem contrato assinado com a mesma emissora. A partir de agora, com a MP, para uma emissora transmitir um jogo, basta ter contrato com o clube mandante, independentemente do clube visitante. Como em Bangu x Flamengo, hoje, o mando de campo é do time alvirrubro e ele tem contrato com a Globo (ao contrário do Flamengo, que não tem contrato de transmissão em vigência no Campeonato Carioca 2020), o jogo poderia, sim, ser transmitido pela Globo”
E aí, como fica?
A MP abre um leque de possibilidades. O clube pode transmitir seus jogos onde bem entenda (TV, streaming, etc) podendo ter contratos flexibilizados entre as plataformas.
Além disso, as TVs teriam que rever suas estratégias, já que agora ele negociaria “por jogo de mandante” de cada clube, em vez do “pacote completo”.
Num campeonato de pontos corridos, isso é bem fácil, mas quando vira mata-mata, a coisa muda…
O advogado Pedro Mendonça, igualmente entrevistado pelo Lei em Campo, explica:
“Por isso entendo que os contratos entre clubes e emissoras podem precisar ser renegociados. A mudança na lei causa impacto no escopo dos direitos ali envolvidos – já que os clubes passam a não ter qualquer direito relacionado às partidas em que forem visitantes”
No entanto, se for identificado um campo “neutro” – sem mandante – a negociação ocorre da mesma forma que é hoje, entre as duas equipes envolvidas.
A MP também surpreende por um fato inusitado: volta a permitir o patrocínio para os times de empresas de comunicação.
Isso foi proibido por lei depois da final da Copa João Havelange, em 2000. No jogo da volta, o Vasco jogou patrocinado pelo SBT, num jogo com exclusividade para a TV Globo.
Está tudo muito recente ainda, e há um PL tramitando no Congresso de qualquer forma.
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