Perfil AG: #Barbosa100

O post do Perfil AG dessa vez não é apenas uma homenagem. É uma necessidade. E uma reparação.

No dia 27 último, um dos grandes goleiros do Brasil completaria 100 anos de vivo fosse.


Ídolo no Vasco, foi vice-campeão mundial pelo Brasil em 1950, num que seria um dos grandes linchamentos morais coletivos do nosso país.

No entanto, honrou as camisas que vestiu e as traves que defendeu.

Vamos conhecer um pouco mais da vida de Moacyr Barbosa!

 

Os números da lenda

O atleta mais vitorioso da história do Vasco da Gama, conquistou 14 títulos (entre competições oficiais e não oficiais).

Dentre elas, o Sul-Americano de 1948 – reconhecido posteriormente como o primeiro título sulamericano de clubes, antes mesmo da Libertadores.

Além disso, venceu o Torneio Octogonal Rivadavia Corrêa Meyer, em 1953.

Esse torneio, que foi uma continuação da Copa Rio, alvo de ação do Vasco com a FIFA para reconhecimento como título mundial.

Também é o quinto atleta com mais partidas pelo clube, com 485.

Pela Seleção, além do vice-campeonato mundial em 1950, foi campeão da Copa Roca de 1945, da Copa América de 1949 e das edições de 1947 e 1950 da Copa Rio Branco.

Formação do Brasil Campeão Sul-Americano de 1949

Expresso Ypiranga-Vasco

Barbosa começou a jogar profissionalmente no Ypiranga, de São Paulo, no início dos anos 1940.

Foi tricampeão da Liga Comercial (1939, 1940 e 1941) na posição que o deixou famoso. Porém, não foi a primeira que lhe foi oferecida – como narra o próprio Barbosa, em entrevista no ano de 1986:

Comecei de ponta-direita. Um dia faltou goleiro, e meu cunhado disse: “Você leva jeito, vai para lá”. Eu fui e deu certo. Achei que ali eu levava menos pontapé do que jogando na frente. Diziam que o ruim vai para o gol ou vai para a galinha morta, que era o ponta-esquerda, que é mais fácil de tirar. E deu certo, como deu certo. Desde o início. Fui subindo, subindo, subindo, até chegar ao cume, que é a seleção brasileira.

Sua ida ao Vasco foi sugerida por outro grande ídolo do nosso futebol, Domingos da Guia.

No Cruzmaltino, abria a escalação do grande “Expresso da Vitória”, um grande papa-títulos dos anos 40 e 50.

Além dos títulos já citados, Barbosa ajudou o Vasco a ser campeão carioca em 1945, 1947, 1949, 1950, 1952, 1956 e 1958, durante suas três passagens pelo clube.

E o “Expresso” era pioneiro também fora do campo. Antes mesmo da “Democracia Corinthiana” nos anos 80, o Vasco já ensaiava “algo parecido”:

A gente tinha o que a gente chamava de “turma do caroço” no Vasco. Nos reuníamos todas as terças para discutir o que tínhamos feito. Como a gente se reunia no domingo após os jogos, na terça, em vez de de treinar, desaparecíamos. Íamos para Paquetá, outra vez ia para um sítio, a gente saía… Para evitar exatamente a imprensa.
Ali a gente lavava a roupa suja, desde o roupeiro até o massagista, até o presidente do clube, cada um tinha o direito de falar.

Após 1950, foi defender o Santa Cruz, de Pernambuco.

O frissom foi grande em Recife, já que os torcedores do Santa literalmente pagaram a contratação do goleiro.

Foram colocadas urnas pela cidade para que os torcedores ajudassem a pagar as luvas, além da realização de treino coletivo com ingresso pago.

Por lá, venceu um Torneio Pernambuco-Bahia antes de retornar ao Vasco.

Saiu novamente para o Bonsucesso em 1957 e retornou ao Vasco no ano seguinte.

O “vovô” Barbosa só parou de jogar em 1958, após sofrer lesão enquanto atuava pelo Campo Grande.

O Maracanazo

A Folha de S.Paulo, na edição de 9 de abril de 2000, noticiou o enterro de Barbosa da seguinte forma:

“Os inquisidores podem soltar os seus foguetes. Moacir Barbosa, escolhido como o grande culpado pela maior tragédia da história do futebol brasileiro, foi enterrado ontem, pela segunda vez e definitivamente, no cemitério Morada da Grande Planície, na Praia Grande (SP).

O ex-goleiro da seleção brasileira morreu às 22h30 de anteontem, aos 79 anos, na Santa Casa da Praia Grande, por problemas decorrentes de um acidente vascular cerebral sofrido na última quarta.”

Matéria da Folha de São Paulo no dia 08 de abril de 2000, noticiando a morte de Barbosa.

Até então, o maior decepção da nossa história futebolística foi o vice-campeonato mundial em casa, em 1950.

O primeiro torneio após a Segunda Guerra foi a oportunidade do Brasil mostrar seu valor ao mundo.

E a Seleção vinha fazendo um torneio muito bom, que virou arrasador na fase final – não estava previsto um jogo final, já que o campeão sairia de um quadrangular.

Porém, graças as coincidências da bola, os dois únicos que poderiam ser campeões na rodada final se enfrentaram: Brasil x Uruguai.

As duas goleadas (contra Suécia e Espanha) empolgaram o país. Até demais, aliás.

A euforia tomou conta de todos, chegando ao ponto de praticamente um carnaval nas ruas antes da decisão, um banquete no dia anterior.

Claro que isso virou relaxamento para os brasileiros – e incentivo aos uruguaios.

Num Maracanã abarrotado de pessoas, que já cantavam vitória – já que o Brasil precisava apenas de um empate – viram Ghiggia, no minuto 79, dar a vitória ao Uruguai, o segundo título da Celeste.

O que antes eram favas contadas por parte da torcida, da imprensa e dos políticos, virou caça as bruxas.

Condenação em vida?

O grande condenado foi Barbosa. Não somente por ser o goleiro mas, por ser negro.

O preconceito – exposto na época, velado atualmente – causou impacto na Seleção Brasileira.

A base da equipe de 1950 (sem Barbosa) não foi bem na Copa seguinte (na Suiça), que causou uma “limpeza racial” na Seleção de 1958 – pelo menos nas primeira partidas, apenas Didi era negro.

Depois, Pelé e Djalma Santos entraram no time, não saíram mais, e o resto é história.

As referências a 1950 foram fundo. A posição de goleiro tinha virado exclusividade dos brancos, não somente na Seleção.

O preconceito afastou os negros da posição de goleiro.

A Seleção só voltou a ter um negro como goleiro titular em Copa do Mundo em 2006, com Dida.

Por mais que ele evitasse o assunto, volta e meia as pessoas relembravam desse triste episódio.

“Não gosto de falar nem de comentar isso. Exatamente pela falta de respeito ao jogador, não só à pessoa humana. Porque o sujeito acha que ser vice-campeão do mundo não vale nada. Aqui no Brasil, porque em outros países vale.
[…]
Às vezes sim, sou marcado. Ainda há pouco tempo, estávamos no bar que frequento e um cara veio falar de 1950, “Olha, meu filho, acabou a conversa aí”, eu falei para ele. As leis de condenação aqui no país de quanto tempo são? A maior condenação é de 30 anos. Já passaram 43 anos e acho que já paguei 13 anos a mais, então não tenho razão para discutir contigo nem para dar uma explicação, tá certo? Não sou criminoso.”

No fim da vida, passando por algumas dificuldades financeiras, teve ajuda do então recém-eleito presidente do Vasco, Eurico Miranda, e de suas palestras sobre o Vasco (não sobre 1950) para se manter.

Tereza Borba, a filha de consideração que “adotou” Barbosa, contou como essa veia palestrante surgiu:

Ele estava muito apagadinho, tinha essa coisa de 1950 em cima dele e falei: “Vamos começar a mudar essa história, essa estigma”. Você vai falar do Barbosa do Vasco da Gama. “Se alguém quiser falar com você, diz ‘Falo sim, mas falo de Vasco da Gama'”. Ele fez algumas palestras, foram poucas, uma vez na USP (Universidade de São Paulo), mas fez muito feliz. Recebia uns R$ 300 a R$ 500. Mas ele adorou. Ele falava: “Neguinha, é por isso que eu digo que você é a filha que eu não tive”

Hoje o Brasil celebra os feitos de Barbosa.

Uma pena que ele não tenha recebido tudo isso em vida, ou pelo menos um pedido de desculpas por tudo o que fizeram com ele desde 1950.

Com certeza o 7×1 deu uma amenizada nesse estigma, mas ainda estamos devendo MUITO a ele.

As homenagens feitas pelo Vasco e pela CBF são importantes, mas nada fará juz ao que ele fez – e ao que ele passou.

Só nos resta reverenciar o centenário dessa grande figura do nosso futebol!

Fonte e Fonte.

E aí, quem você quer ver homenageado no Perfil AG? Senta a mão nos comentários!